Ontem conversando com o meu médico aprendi umas coisas interessantes. Primeiro que câncer a alzheimer são doenças produzidas pela própria pessoa, pela dinâmica que se cria nas estradas da vida. E o principal predador de nossa saúde é o stress. Estamos expostos ao estress desde que acordamos até a noite. Quando não somos invadidos por ele no meio da madrugada. Essa noite mesmo fui acordada por um intenso barulho de obra do lado do meu prédio. Pode uma coisa dessas? Serra elétrica, explosões e conversa alta às três horas da manhã? Esse predador nos acompanha como um obssessor se permitirmos. A grande cilada é dizer sim a esses pontos negros que nos provocam. Continuo achando que estou nesse mundo pra ser feliz e achar graça das incoerências do ser humano. Sinto indignação de verdade quando me deparo com desrespeito , violência, desamor. Mas não deixo que sentimentos negros tomem conta da minha alma. Limpo a possibilidade do stress cantando novas canções, criando novos poemas. Pratico a minha assertividade com disciplina , revejo meus erros, as más escolhas e continuo caminhando percebendo a alegria nas coisas mais simples da vida. As pessoas que amo sempre estão comigo mesmo distante fisicamente. No final da conversa com meu médico respirei fundo e pensei: Que pessoa leve eu sou! Sem nenhuma modéstia.
As passagens já estavam compradas. Tudo aconteceu tão rapidamente que Renataprecisava apelar para um amigo agilizar a atualização do passaporte. Era sua primeira viagem a Paris. A forma como tudo aconteceu deixava Renata completamente desnorteada na arrumação das malas. Esticou na cama o que tinha de melhor no estilo clássico e fez uma seleção básica e chique para dez dias de viagem.
Renata fazia análise há cinco anos com um dos melhores psicanalistas do Rio de Janeiro. Melhor em competência profissional e principalmente em delicadeza e sensibilidade artística. Sua vida se ampliou maravilhosamente nesse processo analítico. Seus passos ficaram mais firmes, sua voz mais solta, seu olhar mais penetrante, seus desejos bem administrados. Na verdade sua vida ganhou cores e brilhos.
A relação de Renata com seu psicanalista transcendia o divã: era algo belo e, ao mesmo tempo, simbiótico. Ele, por outro lado, refletia tudo aquilo que Renata projetava em termos de arte, vida, amor, dor, angústia... Porém eles nunca tiveram uma conversa fora da cena analítica. Até que um dia Philip, era esse o seu nome, fez uma proposta à Renata. Havia sido convidado para participar, com direito a acompanhante, de um Congresso Psicanalítico em Paris. Sabendo dos sonhos e do empenho de Renata em relação à psicanálise resolveu abrir mão de todas as éticas que permeiam esse tipo de decisão e fez o convite. Renata perdeu a voz, mas seu corpo disse sim.
Não se detiveram muito em questionar o certo e o errado. Simplesmente conversaram sobre as questões práticas da viagem e marcaram o horário de encontro no aeroporto.
Philip desmarcou seus compromissos com as aulas e sessões de análise. Já Renata simplesmente disse aos amigos que iria passar dez dias no nordeste.
Na véspera da viagem Renata nem conseguiu dormir. Tomou um lexotan e passou a noite inteira desenhando no seu ateliê. Quando o sol nasceu, saiu para uma caminhada na tentativa de arrumar as expectativas que rondavam seus pensamentos. Voltou pra casa, tomou café e dormiu durante duas horas. À tarde fez uma meditação e deu uma última conferida na bagagem. Às sete horas já se dirigia, possuída de sonhos, para o Aeroporto Tom Jobim.
Exatamente às 23h30min Philip e Renata embarcaram num vôo e num sonho diretamente para Paris, sem escalas em dúvidas ou preocupações.
Chegar à cidade luz foi algo que estonteou os gestos e os passos de Renata. Chegar ao hotel e se dar conta que dividiriam o mesmo quarto emudeceu a naturalidade de um e outro.
Tomaram banho, trocaram de roupa e saíram para almoçar e dar um giro pela cidade. O congresso só começaria no dia seguinte.
À noite, muito cansados, compraram uma garrafa de um excelente Bordeaux, baguete, alguns frios e fizeram um piquenique no próprio quarto.
No auge do bem estar do vinho Philip deitou-se na cama, como se estivesse num divã, enquanto Renata, sentada num sofá à sua frente ocupava um lugar de escuta para aquele homem, aquele sujeito. Philip jorrava as palavras tentando dar forma àquela energia que pairava no ar. Todas as associações livres. Como num set psicanalítico.