Mesmo percebendo que tudo aconteceu como já estava anunciado, estou envolta numa certa tristeza. A amiga se foi de vez. Cumpriu sua missão nesse mundo, deixou tudo organizado, partiu em paz com tudo e com todos. Uma névoa de nostalgia tomou conta de mim quando voltei do velório. Fico pensando pra onde vai tanta riqueza de alma. Os livros que ela leu, as reflexões que fez diante dos momentos de adversidade, as perdas, a generosidade com os amigos. Pra onde vai isso tudo? Minha formação cristã não responde essas perguntas. Fico triste por não ver mais seu nome na minha lista de e-mails. Pra onde vai tanta sabedoria? Não sei. Vou ficar com as últimas sensações daquele sábado. Congelar as palavras, as risadas, as citações de livros... E acessar sua presença forte quando tropeçar nas ruas da vida. Valeu amiga!
sábado, 29 de maio de 2010
FAXINA
Todos os dias
inspeciono os cantos
de mim
e tento limpar a poeira
Passo vassourinhas,
paninhos...
Depois dou um brilho de flanela.
Há dias em
que tenho que usar
aspirador de mágoas
que nem sempre funciona.
Entope, enguiça...
Fico tão cansada
e suada nesses momentos
Minha força se esvai
em lágrimas embaçadas
Meu corpo se ressente
e cai doente,
sinto dores imensas
Todo dia eu limpo
Sou faxineira fiel
de mim
Arrasto móveis
arrumo gavetas, desentulho outras
Hoje resolvi descansar
Hoje não limpo,
não lavo,
não aspiro...
Hoje passei na florista
encomendei uma bela
cesta de flores do campo
e mandei entregar ao universo...
A partir de hoje
não limpo, não lavo,
não faço absolutamente nada
que não seja mandar flores...
sexta-feira, 28 de maio de 2010
Uma amiga está partindo. Suavemente. Com dignidade e postura de quem escolheu sempre a vida. Com todos os desafios e dissabores. Ela está indo embora. Quando a conheci me encantei com a sua visão do mundo e dos problemas existenciais. Inteligente, humor sarcástico, poeta de primeira linha, escritora maior , gente, humana, humana... Miúda de corpo, enorme de alma. Nunca ouvi ninguém falar da morte de forma tão viva e natural. Fui visitá-la no sábado passado e voltei mais rica. Hoje estou triste, mas com a certeza da permanência de algo muito valioso. Algo que não se perde e é imune ao tempo: Histórias, risos, filosofia de vida, abraços, encontros, enfrentamento da vida, vida, vida...Só me resta brindar a sua riqueza de ser e estar no mundo. Posto um sorriso.
Hoje saí cedinho caminhando pela praia pra levar meu cachorro a veterinária. É muito interessante observar a reação das pessoas diante de um cão bonito e charmoso. Muitas já abrem um sorriso de longe, outras se jogam em cima dele com afagos e até beijos. Acontece também o contrário. Pessoas que amarram a cara e se afastam com medo. Até entendo o medo., mas precisa fechar a cara? Sempre tive uma relação muito boa com cães. Na infância tive uma vira lata chamada Diana. Marrom, peito branco, adorava perseguir bicicletas e carros. Rasgava roupas dos outros e meu pai muitas vezes teve que arcar com essas estrepolias. Tempos depois tive o Sasha que chegou muito novinho e me acordava as seis da manhã pra tomar a mamadeira. E eu naquele frio de Friburgo me agasalhava e ia cuidar do meu bebê com a maior alegria. Passei muitos anos sem cachorro e depois de filhos grandes decidi viver novamente essa rica experiência. Aí chegou o Bruce. Esse merece e terá um capítulo a parte. Esse meu amigo partiu em setembro do ano passado e deixou um vazio imenso. Achei que não teria outro mas a família toda decidiu que não dá pra ficar sem essa rica relação e agora temos o Ringo - outro golden retriever- que é um grande xodó. Apesar da mesma raça do Bruce é outra personalidade. A saudade do outro ainda é grande. Com Ringo estamos construindo uma nova relação de amor.
Vejo minha alma destoando Da foto Parece que existem duas ou mais Pessoas em cena Uma dando lugar à outra, Disputando poses e olhares Pra ver quem sai melhor na foto. O sorriso vira um comercial Previamente ensaiado e esbranquiçado O olhar interpreta exatamente A cena encomendada pelo diretor (interno? ) As luzes determinam Quantas pessoas vão sair na foto Há dias em que venho com cinco ou dez Noutros só tenho uma parceira Aparecer sozinha depende De um cachê bastante alto, Depende de mandar aquela gente toda esperar Dar atividade pra elas, Distraí-las, Suborná-las, Numa tentativa De aprisioná-las Até a entrada Da próxima cena... Do próximo espetáculo... Fecho as cortinas...
RECORTES
Doa a quem doer Sou cabeça, tronco, membros Toda prosa Especial, sob medida A seus pés Por transparência, Vitrine das águas Todo os caminhos conduzem a Tanto mar... Agora? Amanhã? será que não dá pra combinar as duas coisas? A hora do não... O primeiro sinal verde... A última gota... Breve história.
MIX DE SER
Mistura de cores, ensaios, intenções... Assim tem sido Meus passos Intensos, vazios, descarados, Mascarados, ousados... Assim tem sido meu olhar Focado, cego, nebuloso, claro... Assim tem sido meu ouvido Surdo, atento, refinado... Assim tem sido minha voz Segura, rouca, muda, gritante... Assim tem sido meu mundo Dramático, fantástico, rotineiro, Real, irreal... Assim tenho sido eu Louca, lúcida, válida, inválida, Sendo, não sendo, sendo, estando, Indo, vindo, indo, vindo, indo...
terça-feira, 25 de maio de 2010
O ônibus não estava cheio. Me espreguicei, cruzei as pernas e, num gesto ansioso abri o livro. Até que um chorinho de bebê desvia meu olhar para a cena de uma jovem mãe alimentando sua cria. Me chama a atenção a alternância de mensagens e tons de voz dessa figura materna. Uma mistura de “é feio colocar a mão na boca, mamãe já falou, não quero isso...” com “que papinha mais gostosa, neném...”, numa turbulência de intençõestotalmente incoerentes para uma pessoinha tão indefesa. Pensar num bebê que recebe tudo sensorialmente tendo que lidar com estímulos tão ambivalentes...Certamente sua história de vida será pautada por muitas dessas incompreensões.
Tive vontade de dizer àquela mãe o quanto um bebê precisa sugar, sujar, morder... Tive vontade, mas não disse. Tive vontade de dizer o quanto é difícil acertar mesmo apostando em toda capacidade de amar. Tive vontade de falar sobre meus erros, minhas incoerências. Olhei com carinho para a criança e pensei no quanto é fácil observar e julgar o outro.
Coloquei uma bala na boca como se quisesse abafar historias presas na garganta, retomei o livro e li até chegar ao meu destino. Peguei minha mala, olhei para a moça, o bebê e, tudo que pude fazer foi pegar suas bolsas, levar até o desembarque e desejar muita saúde e sorte para aquela criança.
Se há um programa que eu adoro fazer é visitar brechós. Sou louca por eles. Garimpar coisas antigas que envolvem alguma história estimula meu gosto estético por tudo que não é fashion. Gosto de combinações irreverentes, chapéus, meias coloridas, coletes , gravatas, bolsas e sacolas. Não posso ter pressa quando entro nessas lojas. O prazer de descobrir é maior que o de comprar. Foi assim que iniciei a coleção de chapéus. É. Hoje em dia me considero uma colecionadora. Já passou dos quarenta. Sempre que viajo volto com meia dúzia. Ultimamente está difícil encontrar um modelo novo. Chapéu é uma fixação, tenho que admitir. Até uso de vez em quando mas sofro de uma "certa" compulsão por tê-los. Não sei de onde vem isso. A única lembrança que tenho é da minha infância. Uma vizinha alemã sempre usava chapéu quando estava em surto. Hoje em dia imagino que ela era bipolar e estava na fase maníaca. Na época as pessoas diziam que ela era maluca. E eu me encantava com o símbolo de liberdade do chapeú preto de Frau Maria pra cima e pra baixo. Ali eu via um canal de permissão e fascínio pela loucura. Enquanto as pessoas riam e faziam chacotas eu me encantava com o mistério que permeava aquela mulher. Ela e seu chapéu preto.
segunda-feira, 24 de maio de 2010
Hoje recebi um email falando sobre os silêncios que precisamos fazer na vida, seja meditando, rezando ou praticando alguma técnica que nos leve a esse estado. Fiquei pensando o quanto procuramos introspecção através de práticas muitas vezes complicadas e trabalhosas. Há pessoas que praticam exercícios desse tipo durante anos pra conseguir atingir altos estágios espirituais . Não tenho nada contra, porém acredito que podemos encontrar pequenos silêncios dentro de nós quando praticamos viver o presente possível. Por exemplo: Nesse momento estou digitando e tentando perceber o contato dos meus dedos nas teclas ao mesmo tempo que minhas ideias surgem e desembocam nesse texto. Sinto um prazer imenso nesse estado simples e curto. Estou aqui agora. Isso é intenso e é o meu silêncio presente. Degustar um sabor , sentir um cheiro, ouvir os sons que nos rodeiam, identificar o olhar do amigo, ouvir e saborear as palavras do outro. Pra mim tudo isso é silenciar e aproveitar. Nos silêncios profundos escutamos vozes novas e, muitas vezes assustadoras. Esse contato constroi um mundo interno mais verdadeiro. As pausas trazem o nada e abre caminho pro novo. O advento de novos silêncios. Silêncios possíveis. Silencio.
domingo, 23 de maio de 2010
FOTOGRAFIADA SERRA
Ando com saudades
Do frio friburgal junino,
Da retreta no coreto
Impulsionada pelo andar
Pra lá e pra cá
Das meninas na praça...
Ando com saudades do cheirinho de gordura
Das barraca de Santo Antônio
Das simpatias até bem
Antipáticas desse santo
Que povoava as fantasias
Das solteirices da cidade...
Ando com saudades
Daquele nevoeiro nas manhãs geladas
De obrigação escolares
Das mãos que precisavam
Se aquecer no início da aula
Do cachecol, da boina,
Da manteiga de cacau
Nos lábios ressecados
E compulsivos por beijo na boca
Ando com saudades da timidez
Dos primeiros olhares,
Dos primeiros amores...
Ando com saudades de algumas árvores,
Principalmente na avenida
Do cheiro das flores,
Do perfume Lancaster,
Impregnado na camisa Lacoste
Do namorado na sessão das três e meia
No cinema Eldorado...
Ando com saudades do pulôver
Felpudo à base de escova,
Do cabelo liso à base de touca, do uniforme marrom
Ontem fui assistir pela segunda vez o filme "Tudo pode dar certo" de Woody Allen. Sou fã de carteirinha de tudo o que ele faz - mesmo os piores trabalhos - mas esse filme traz de volta o humor sarcástico dos velhos tempos. Filosofia, psicanálise, hipocondria, questionamento existencial e outros ingredientes que sempre permeiam as obras desse grande cineasta. Aí vai um poema que fiz há algum tempo atrás falando dessa minha paixão:
DETALHES
Gostar de jazz, poesia
E Woody Allen
Ter vários andares na alma
Percorrer as escadas
Cair, tropeçar
Dançar, sapatear,
Rebolar
Fazer teatro, contar,
Cantar
Enfurecer os vizinhos
Driblar as tristezas,
Os esquecimentos
Sentir firmeza
E insegurança
No andar, no falar...
Derreter os limites
Fazer o que se teme
Eu? Adoro poesia
Curto ouvir jazz
Não perco um filme do Woody Allen
sexta-feira, 21 de maio de 2010
Hoje de manhã lendo o jornal fiquei muito impactada com a notícia sobre o encontro das mães americanas com os filhos detidos há dez meses em Teerã por suspeita de espionagem. A foto mostra três abraços de mães e filhos num encontro de muita saudade, amor e tristeza. Até porque eles ainda não foram libertados. Sempre me emociono quando me deparo com esse tema: mães afastadas de filhos, mães que perdem filhos tragicamente , enfim, toda essa gama de sofrimento. Enquanto lavava a louça do café imagens e histórias passeavam pela minha rica imaginação. Fiquei pensando na avó do menino Sean que está proibida de visitar o neto, nas mães que perdem os filhos pro tráfico, na preocupação de mães que não sabem onde o filho está... Nisso o telefone toca. Temos um trato aqui em casa de não atender ligação a cobrar mas como minha empregada adoeceu achei que fosse ela. Atendo. Segue o diálogo: Alô. (Do outro lado uma voz de homem chorando desesperado) - Mãe, eu fui assaltado! Mãe me ajuda! -João?? -É mãe! Me ajuda! - João? Pede pra te matar!
- Me mata! Me mata!
É claro que meu filho não se chama João, é claro que eu já estava preparada pra isso. Mas uma pessoa desprevenida identifica uma voz em desespero como de seu próprio filho. Desliguei o telefone orgulhosa de mim mas com arrepios e tremores de indignação percorrendo todo meu corpo. Senti raiva, tristeza, impotência. Num gesto de conforto pra mim mesma liguei pro celular do meu filho que tinha acabado de chegar no trabalho . Pra que? Pra ouvir sua voz e contar essa história.
Adoro dias chuvosos e frios. Algo da minha memória afetiva se acende me trazendo sensações gostosas da infância. Quando criança morava numa pequena casa num bairro operário em Nova Friburgo onde fiquei até a adolescência. O cheiro da terra , quando chovia, ainda está vivo na minha lembrança. Frio, cobertores, fogão de lenha assando broa e mantendo quente o bule de café enquanto crianças recortavam revistas formatando sonhos , colando intenções em papéis espalhados na mesa da sala. Sempre que chove e faz frio a Teresa gulosa devoradora de doces e bolos aparece. Temos sérios problemas com isso. Brigamos, discutimos mas no fim chegamos a um consenso e permitimos duas carreirinhas de uma barra de chocolate. Lembro também que sempre depois da chuva as ruas ficavam tomadas por algo que até hoje me causa horror e medo: sapos gordos, imensos fechavam os caminhos. Parecia filme de terror. Como gosto dessas imagens! Tudo passou . Hoje tento usar essas recordações inventando novos sentidos no meu cotidiano. Uma xícara de café quente degustada conversando com meu filho na varanda morrendo de rir das sapequices do meu cachorro Ringo. Os sapos hoje em dia são outros. A gente pula, passa por cima e vai caminhando. Eles sempre estarão. A chuva também.
Ontem a tarde caminhando sob o sol de Icaraí fui tomada pela idéia de criar um blog. Um certo encanto de estar diariamente compromissada com as palavras causou uma explosão dentro de mim. Gosto dessa palavra compromisso. Assim também como gosto de "transgressão". Embora pareçam opostas elas se encontram quando esse compromisso é com o desejo. Desconstruir palavras e reinventar novos significados. Ousar. Preciso disso. Mesmo caindo no óbvio.A noite fui, com meu amigo Paulinho, assistir Beth Goulart em Clarice Lispector. Beth incorpora Clarice com uma dose de verdade assustadora. A voz, dicção, postura, angústia no olhar. Voltei pra casa nutrida , desassossegada... Feliz por estar aqui. Saúdo meus amigos.